– Filho, amanhã vamos fazer exame de sangue.
– Eu não quero, mãe! – voz de choro.
– É só uma picadinha.
– Mas vai doer!!!
– Eu não sei se vai doer, filho…
– Vai doer e eu estou com medo.
– Não precisa ter medo, filho, vai ficar tudo bem, é só uma picadinha.
Negar a existência dos sentimentos, tantos nossos quanto das crianças, é perder a oportunidade de nos desenvolvermos com eles e também de aprendermos com o medo edificante. Precisamos aprender a acolher todos os sentimentos que somos capazes de sentir, tornando-os nobres e construtivos. Na prática é difícil lidar com as dores e sofrimentos dos filhos e muito mais fácil negar a existência dessa dor. Quando dói neles, dói também nos pais.
– Você está com medo do quê?
– Da agulha.
– O que a agulha pode fazer?
– Fazer eu sangrar e sentir dor.
– E o que pode acontecer quando você sentir dor, filho?
– Eu não gosto de ver sangue e eu posso gritar.
– Entendi. Qual é o problema em gritar quando você sentir dor da agulha?
– Hum… acho que pode gritar, né?
– Também acho! Não vejo problema em gritar quando você sentir a dor da agulha, filho. E ver o sangue, você não gosta por quê?
– Porque está saindo de dentro de mim mãe, ele tem que ficar dentro e não fora.
– Entendi filho, mas vai sair só um pouquinho porque o médico precisa desse pouquinho. Pode parecer que é ruim porque o nosso sangue tem mesmo que ficar dentro da gente, mas esse pouquinho é importante para o médico e não vai fazer falta para você! Se fosse fazer falta a mamãe não deixaria o médico tirar.
– Mãe, eu não quero ver o sangue saindo, e se então eu olhar para o outro lado e não ver o sangue saindo?
– Que boa ideia! Acho que essa estratégia vai te ajudar a ser corajoso e conseguir enfrentar essa agulha! Vamos enfrentar esse medo juntos. Eu seguro a sua mão, tá? E você olha para a mamãe durante o exame.
O fato de aprender a valorizar sentimentos que antes evitávamos ou viámos como negativo não significa exteriorizá-los de forma prejudicial, mas identificá-los e aproveitar para evoluirmos. Sim, vai doer, vai dar medo, vai dar angústia, será difícil e vamos ver o que vamos aprender com tudo isso. Que a picadinha, seja ela “inha” ou não, possa trazer a aceitação dos sentimentos que nos constroem e nos ensinam a estar no mundo.
– A mamãe também sente medo filho e sentia também quando eu era criança. Morria de medo do lobo da Chapeuzinho sair de baixo da minha cama.
– E o que você fazia, mãe?
– Primeiro eu me escondia embaixo do lençol até dormir. Depois aprendi a enfrentar, acendia a luz e olhava embaixo da cama. Via que não tinha nada, percebia que era a minha imaginação e depois voltava a dormir.
– Mamãe, como você era corajosa de olhar embaixo da cama!
Sabe o que dói mesmo? É fingir que não está doendo nada.